*Artigo escrito em parceria com Sarah Martins.
O grupo de pessoas com deficiência ocupa uma posição de extrema relevância em nossa sociedade, representando uma parcela significativa da população mundial. Apesar da existência de leis e normas que asseguram a igualdade de direitos, esse grupo ainda enfrenta desafios significativos de inclusão e reconhecimento na sociedade.
Dados recentes revelam avanços importantes, como o aumento de 44,4% nas matrículas de estudantes com Transtorno do Espectro Autista (TEA) na educação básica em 2024, em comparação com 2023. No Brasil, estimativas apontam que aproximadamente 2 milhões de pessoas convivem com o TEA.
Diante desse cenário, torna-se essencial analisar a base legal que garante a igualdade de direitos às pessoas com deficiência, a fim de compreender os avanços alcançados e os desafios ainda presentes na construção de uma sociedade verdadeiramente inclusiva.
As academias, como espaços dedicados à promoção da saúde e bem-estar, têm um papel crucial nessa jornada. Elas são locais de convivência que devem ser adaptados para atender não só à população em geral, mas também àqueles que possuem deficiência, incluindo o Transtorno do Espectro Autista (TEA). Infelizmente, muitas dessas instituições ainda carecem de infraestrutura e recursos necessários para garantir a verdadeira inclusão, o que limita o acesso de pessoas com deficiência a benefícios essenciais proporcionados pela prática física.
Este artigo tem como objetivo analisar os deveres legais das academias em promover a inclusão e garantir a acessibilidade dos seus espaços para pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA). A análise será pautada nas legislações pertinentes, nas obrigações dos gestores e nas adaptações necessárias para que as academias cumpram os princípios constitucionais de igualdade, não discriminação e acesso universal, assegurando a inclusão plena dessas pessoas.
Fundamentos jurídicos da inclusão e acessibilidade
A inclusão social é um princípio fundamental assegurado pela Constituição Federal de 1988, que, em seu artigo 5°, garante que as pessoas com deficiência tenham os mesmos direitos perante a lei, bem como igual acesso a serviços públicos e privados. A Constituição veda expressamente qualquer forma de discriminação, reafirmando o compromisso do Estado com a promoção da igualdade.
Complementando essa proteção constitucional, a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015) assegura às pessoas com deficiência, incluindo as pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA), o direito de acesso pleno e igualitário a espaços públicos e privados, impondo a obrigação de adaptação dos ambientes para promover sua efetiva inclusão.
A Lei nº 12.764/2012, conhecida como Lei Berenice Piana, reconhece a pessoa com TEA como pessoa com deficiência para todos os efeitos legais, assegurando-lhe o direito ao esporte inclusivo e à participação plena em atividades da vida social.
Além disso, o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990) estabelece que as academias, na qualidade de prestadoras de serviços, devem garantir que seus consumidores usufruam dos serviços ofertados sem qualquer tipo de discriminação ou barreiras de acesso. Assim, a realização de adaptações razoáveis e a promoção de um ambiente acessível não são apenas medidas éticas, mas deveres legais.
Inclusão e sensibilização
A inclusão e sensibilização são aspectos essenciais para a construção de uma sociedade mais democrática e igualitária, e nas academias isso não é diferente. Antes de se aplicar esses princípios de forma externa, é fundamental que eles estejam enraizados na cultura, na visão e na rotina da instituição. Para isso, é interessante que as academias promovam treinamentos periódicos e campanhas de conscientização, voltadas para colaboradores e frequentadores, sobre a importância do acolhimento e do respeito às pessoas com deficiência. A verdadeira inclusão vai além da adaptação física dos espaços: ela envolve criar um ambiente em que todos se sintam respeitados, acolhidos e pertencentes, reforçando o compromisso com a diversidade e com a igualdade de oportunidades.
Os deveres legais das academias na adaptação de alunos com Transtorno do Espectro Autista
Inicialmente, importa esclarecer que não há legislação específica que regulamente a autorização de alunos com Transtorno do Espectro Autista (TEA) em academias. Todavia, à luz da Lei nº 12.764/2012 (Lei Berenice Piana) e da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015), é vedada a recusa de matrícula de pessoas com deficiência, devendo as academias promoverem o acesso igualitário de todos os alunos.
Dessa forma, embora não exista uma exigência legal específica quanto à estruturação de academias para pessoas com TEA, é obrigatório o acolhimento desses alunos. Assim, é recomendável que os estabelecimentos informem, com clareza e transparência, eventuais limitações na capacitação de sua equipe, especialmente no que se refere à condução de atividades com pessoas com transtorno do espectro autista.
Para que a academia se adapte adequadamente à presença de alunos com TEA, algumas medidas práticas são recomendadas. É essencial atentar-se à sobrecarga sensorial, frequente entre pessoas autistas, motivo pelo qual se sugere a redução da intensidade de luzes e sons no ambiente. Além disso, a instalação de sinalizações visuais claras e objetivas para identificação de espaços como banheiros, vestiários e salas de aula favorece a autonomia e a orientação do aluno.
A capacitação da equipe também é fundamental, buscando promover um atendimento acolhedor, respeitoso e ajustado às particularidades de cada aluno. Os treinos podem ser adaptados de acordo com o ritmo e os limites individuais, respeitando as potencialidades do aluno com TEA. Da mesma forma, é importante que a academia implemente políticas internas de inclusão, promova campanhas de conscientização entre frequentadores e adote flexibilizações necessárias, como pausas sensoriais e ajustes nos métodos de instrução, garantindo um ambiente inclusivo e seguro.
No caso de crianças, ao contrário do que ocorre no âmbito educacional, não há obrigação legal por parte das academias de oferecer atendimento especializado sem custo adicional. Dessa forma, é facultado aos pais ou responsáveis contratar profissional especializado para acompanhar o aluno durante atividades coletivas, como as aulas de natação, caso isso se mostre necessário.
Ressalta-se, ainda, que academias que ofertam exclusivamente aulas em grupo não estão obrigadas a criar turmas particulares para atender alunos com TEA. No entanto, devem assegurar que o modelo coletivo seja acessível e adaptado, garantindo o direito à participação plena e igualitária desses alunos.
Por fim, recomenda-se que, antes do início das atividades, seja apresentado parecer médico atestando a aptidão da criança para participar das aulas, bem como indicando eventuais cuidados específicos que devam ser observados pela equipe da academia.
Mais do que cumprir obrigações jurídicas, trata-se de reconhecer o valor da diversidade e da individualidade de cada aluno, respeitando suas particularidades e criando condições reais de acesso e permanência. Academias que investem em acessibilidade e inclusão não apenas ampliam seu alcance, mas se alinham aos princípios de responsabilidade social e respeito aos direitos humanos.