O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é um grupo de alterações do neurodesenvolvimento complexo, caracterizado por dificuldades de comunicação e interações sociais1. Acredita-se que crianças autistas correm maior risco de afogamento do que crianças com desenvolvimento típico devido ao comportamento de caminhar aleatoriamente pelo ambiente, diminuição da consciência de risco e atração pela água2.
Para os autistas, as aulas de natação provaram ser uma ocupação significativa para eles e suas famílias3 que relataram melhora da saúde geral dos filhos e dos comportamentos4.
O ensino de natação para crianças em idade escolar, incluindo aquelas com deficiências, é uma forma de prevenir afogamentos acidentais e deve ser feito por programas de intervenção implementados por professores treinados3.
Segundo a Autism Spectrum Disorder Foundation (ASDF)1, a natação e a atividade aquática podem ajudar crianças com TEA a melhorar:
- a fala;
- a coordenação;
- as habilidades sociais;
- a autoestima;
- o processamento cognitivo.
Ambientação no espaço aquático
O aluno autista precisa ser ambientado ao espaço aquático para vivenciá-lo de forma segura. Muitas piscinas têm a área do entorno escorregadia, o que faz aumentar os riscos de cair e se machucar ou até mesmo se afogar. Por isso o professor deve caminhar com os alunos pelo entorno, apontar os riscos e apresentar as regras de utilização da piscina, tais como: aguardar no local demarcado até o chamado do professor para entrar na piscina; pedir ou avisar para sair da piscina; nunca fazer brincadeiras de empurrar na borda ou dentro da água5, onde fica o fundo, raso, ralo de fundo, ralo de aspiração, não correr em volta da piscina etc.
A piscina pode ser um local prazeroso, fantástico, relaxante, animador, revigorante, lúdico, no entanto, existem riscos ao se utilizar o ambiente aquático se não houver cuidados preventivos para evitar acidentes como afogamentos, escoriações e até a morte5.
Deve-se ter atenção no deslocamento em volta da piscina, pois autistas têm a característica de “correr” de repente pelos espaços onde eles frequentam. Assim, o professor deve estar atento para o aluno não correr e pular na parte funda ou escorregar na área molhada em volta da piscina. A seguir sugestões para adaptação do aluno TEA.
10 conteúdos para melhorar a adaptação aquática do autista.
Desenvolva a adaptação ao meio líquido do aluno com TEA por meio do ensino dos itens de conteúdos procedimentais abordados no teste de aquacidade:
- Demonstre para o aluno como realizar bloqueios da respiração (apneia estática) embaixo d’água por 10 segundos.
- Demonstre para o aluno como “afundar a cabeça, com o nariz e os olhos na água, sem medo, soltar o ar até que ele tenha o controle respiratório na água. Use educativos para ensinar o aluno autista a respiração subaquática durante o ato de andar, saltar, nadar, assim como durante a propulsão e deslizes na parte rasa da piscina.
Existem casos de participantes de aulas de natação com TEA que não conseguem soprar bolhas com a cabeça imersa na água ou recuperar um objeto do fundo da piscina e nunca conseguiram colocar a cabeça na água com sucesso. Embora haja crianças autistas com melhora significativa nas habilidades de natação, existem algumas barreiras que não são possíveis de superar e talvez seja necessário mais tempo com esses participantes com TEA que ainda estão em adaptação1.
Dada a especificidade do aluno autista em manter a atenção sustentada, é importante que o professor mantenha contato visual com o aluno para identificar a todo instante se algo externo faz com que ele perca o foco no educativo proposto na aula. - Demonstre para o aluno como “afundar e apanhar um objeto no fundo, sem uso de óculos, a 1 metro de profundidade”. Estimule o aluno autista a pegar, por exemplo, conchas colocadas no fundo da piscina, a fim de os professores verificarem se ele consegue sustentar os olhos abertos embaixo d’água por alguns segundos. A saber, a recuperação de um objeto submerso6 permite verificar o grau de adaptação do aluno ao meio líquido.
- Demonstre para o aluno como “mudar da posição de flutuação em decúbito dorsal (de barriga para cima) para ventral (de barriga para baixo) por 2 vezes”. De fato, a criança expressa que está adaptada se ela consegue começar na posição do nado de costas, girar de trás para frente (posição dorsal para a posição ventral) sem qualquer dispositivo flutuante e terminar na posição de frente, posição do nado crawl7.
Aos poucos, o aluno autista vai conseguir flutuar em decúbito dorsal e ventral, por 10 segundos. Além disso, o exercício na água irá ajudar a reduzir espasmos musculares frequentes em crianças autistas.
O domínio dessa flutuação é algo desafiador, pois faz parte da seção de ajuste mental e capacidade funcional, e crianças autistas podem ter dificuldades no início da execução deste movimento. Tenha paciência e faça novamente a atividade. - Demonstre para o aluno como “mudar da posição de flutuação na vertical com pernada alternada (eggbeater) para flutuação na horizontal (barriga para cima) sem colocar o pé no chão, por 2 vezes”. Aproveite essa aula para ensinar também o aluno a entrar e sair da piscina de forma tranquila e sempre da mesma forma8.
Faça algo diferente para chamar a atenção do aluno. Utilize, por exemplo, melão, coco e melancia para ensinar aos alunos que é possível usar um objeto flutuante para auxiliar uma pessoa que esteja com dificuldade para se manter na superfície flutuando9. Permita que o aluno flutue com auxílio de uma fruta. O desempenho dele vai ser satisfatório, pois ele vai conseguir realizar os exercícios em decúbito dorsal e ventral sem apresentar dificuldades quando lhe forem oferecidos objetos para auxiliar na flutuação. - Demonstre para o aluno como flutuar em decúbito dorsal sem auxílio de materiais por 30 segundos9,10. Alguns alunos autistas se sentem mais à vontade para se exercitar na água do que fora dela. Isso pode ser em função da flutuabilidade, turbulência e resistência da água, que proporcionam uma sensação de liberdade das restrições da terra e permitem o movimento livre das articulações do corpo1.
O aluno autista conseguirá entender melhor o exercício quando ele for ensinado de forma mais lenta, com demonstrações e principalmente perto dele, pois ele tende a prestar mais atenção.
Ensine-o a se deslocar a partir da posição de decúbito dorsal apenas com deslize da borda, com sequência de batida de pernas, seguido de movimentos dos braços e, por fim, pernas e braços juntos, nadando crawl. É possível que, no nado costas, o aluno tenha melhor execução e maior facilidade, pelo fato de ele não necessitar colocar o rosto por um período prolongado na água, condição que, por vezes, pode incomodar o aluno iniciante. - Demonstre para o aluno como “sustentar-se flutuando na vertical com pernada alternada (eggbeater), com uso de palmateio, por 30 segundos10. O aluno autista costuma estar disposto a realizar os exercícios que os professores propõem, principalmente quando é algo diferente.
- Demonstre para o aluno como “utilizar os quatro membros como segmentos propulsivos na superfície até a borda, ‘nado cachorrinho’ por 3 metros”. Demonstre como realizar o deslize desde a borda, a girar os braços de forma alternada, de maneira a ser estímulo para realizá-los.
- Demonstre para o aluno como “realizar deslocamento embaixo d’água (apneia dinâmica) por 2 metros.
Os educativos dessa aula foram essenciais para que o aluno autista conseguisse realizar a braçada de crawl com foco em executar bem a respiração lateral. Explique o exercício perto do aluno, com demonstração próxima para facilitar a atenção sustentada, evitando desviar, já que possuem dificuldade em absorver informações sobre os comandos propostos.
Apesar de algumas crianças autistas conseguirem mergulhar sozinhas, elas só devem entrar na piscina pela escada quando estiverem acompanhadas de um adulto ou responsável e, sobretudo, o mergulho deveria ser realizado com auxílio do professor. Demonstre para o aluno como “agachar, afundar em pé e saltar com as mãos fora d’água por 2 vezes a uma distância de 2 metros” – salto canguru. O aluno foi orientado sobre a importância de conhecer a profundidade dos locais antes de entrar e também como deveria saltar com as mãos para fora d’água em caso de necessitar pedir ajuda. Esse educativo do item 10 – agachar, afundar em pé e saltar com as mãos fora d’água por duas vezes por dois metros na área da piscina, onde é funda – é importante para aprender a utilizar a parte funda da piscina11.
Ao testar o aluno na parte funda da piscina, é possível identificar se ele sabe controlar o corpo (soltar o ar para afundar e dar impulso no fundo) e a mente (não se apavora ao tirar os pés do chão), não entrar em desespero quando é deslocado para uma parte funda da piscina. Os testes de desempenho na natação podem ser benéficos na identificação de nadadores fracos e em risco de afogamento devido à falta de habilidade técnica e aqueles que lutam na água devido à aptidão inadequada12.
Fatores intervenientes
Pesquisadores6 chamam atenção para o fato de que a avaliação de habilidades em piscinas pode ser enganosa, pois essas habilidades não são avaliadas sob a pressão adicional e o estresse mental que o ambiente natural pode fornecer. Fatores como ondas, correntes, profundidade, visibilidade, temperatura, obstáculos submersos, vigilância e muitos outros diferenciam-se em diferentes ambientes13.
O aluno autista vai melhorar sua concentração, prestando mais atenção na aula, melhorar a escuta e o comportamento, atendendo às orientações dadas pelos professores e realizando as atividades com bastante entusiasmo. Além disso, o aluno vai aprender sobre prevenção, salvamento, autossalvamento e deslocar-se em meio líquido com mais eficiência, a partir da metodologia das aulas baseadas nos 10 itens procedimentais do teste de aquacidade e dos conteúdos conceituais e atitudinais focados na prevenção de acidentes aquáticos.
Além de ensinar procedimentos na água, o professor pode ensinar para o aluno conceitos e regras para o cuidado no meio aquático, pois o aluno autista vai entender sobre ter cuidado e ser um aluno responsável. Por exemplo, nas primeiras aulas, ele pode querer sair da piscina para ir ao chuveiro e urinar sem avisar aos professores e, após entender os riscos de sair sem avisar, vai passar a pedir e sinalizar em todas as aulas.
Alunos autistas que, nas primeiras aulas, tentavam entrar na piscina pulando da borda, passaram, após a explicação do perigo, a nunca mais tentarem e sempre entrarem pelo lugar certo.
A Metodologia Natação + Segura tem o propósito de ensinar valores e atitudes seguras no meio líquido, em 12 encontros14. No entanto, os pais e professores devem ter consciência, e não podem presumir falsamente que, se seus filhos/alunos sabem nadar em uma piscina ou têm ótimo nível de conhecimento preventivo de afogamento, eles são “à prova de afogamento”6. A manutenção do cuidado preventivo deve ser aliada à supervisão constante, seja para o aluno autista ou qualquer outra pessoa que deseja desfrutar do ambiente aquático. De fato, é fundamental preservar a segurança dentro e ao redor da água e sempre manter um alto nível de conscientização crítica em relação à prevenção.
Opinião da especialista
Para a pedagoga Mariana Mendes, formada pela UNIRIO, especialista em Educação Especial pela UFRRJ e professora substituta no CAp UERJ, “ao passar um exercício, tipo de nado e como deve ser executado, é primordial ter uma linguagem clara, objetiva e literal, sempre simplificando a linguagem de forma que o aluno autista consiga compreender a orientação, evitando, assim, momentos de desregulação ou até desorganização. O posicionamento ao lado do aluno autista executando o movimento junto é eficaz e evita que ele espelhe o movimento, dificultando sua lateralidade.
Alguns autistas têm dificuldade em entender “esquerda” e “direita”, logo, estar ao seu lado facilita a compreensão da orientação e execução do movimento. Observar se a textura, cor, formato de alguns objetos utilizados para as atividades na piscina podem incomodar esse aluno. Outra alternativa é sempre pensar em estratégias que tragam o interesse do aluno autista: se esse aluno tem medo de entrar na água e gosta de algum objeto ou desenho específico, trazer propostas que envolvam seu interesse, como por exemplo, determinado aluno gosta do desenho Peppa Pig, então, levar para a água cartões plastificados com o desenho ou algum boneco (caso o aluno tenha, conversar com os responsáveis para a possibilidade de utilizar) poderão chamar sua atenção. Para isso, conversar com a família e levantar todos os interesses do aluno e dados sobre sua vivência em um ambiente com piscina.
ABCDE para quem pretende dar aula de natação para autistas.

- Acostume o aluno a uma rotina de atividades iniciais e finais para ajudar no processo de familiarização com a sequência da aula.
- Module o tom de voz próximo ao aluno porque o barulho
- Tenha calma e paciência com o tempo de resposta do aluno autista, pois ele necessita de mais tempo para processar a atividade.
- Demonstre o movimento ou use outro aluno como exemplo para que o aluno autista imite.
- Use orientações essenciais e curtas sobre o educativo desejado para facilitar a atenção sustentada.
Sugere-se que o profissional que for trabalhar com autista realize uma anamnese15 e tenha a liberação médica16 antes de iniciar as aulas de natação.
No decorrer desses anos trabalhando com alunos autistas, percebi que eles melhoraram em relação à sua concentração, confiança, verbalização, timidez, atenção sustentada durante a aula, tempo de escuta, comportamento e, sobretudo, passaram a atender às orientações dadas pelos professores e a realizar as atividades com bastante entusiasmo no decorrer das aulas.
Referências
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