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Menos mercado, mais bem-estar

Colunista: Angelo Dias

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O bem-estar, que deveria ser fonte de equilíbrio, descanso e reconexão com o que é essencial, tem se transformado em mais uma exigência da vida moderna. Em vez de aliviar, pressiona. Em vez de acolher, cobra. Como lembrou o post que viralizou recentemente nas redes sociais, “até o descanso foi capturado pela lógica da performance”. O que deveria ser autocuidado, virou comparação — e o que deveria ser prazer, virou obrigação.

O paradoxo do bem-estar moderno

Nunca se falou tanto sobre saúde, alimentação natural, meditação e sono reparador. Ao mesmo tempo, nunca estivemos tão cansados, ansiosos e desconectados de nós mesmos. A chamada indústria do bem-estar, avaliada em trilhões de dólares mundialmente, promete plenitude, mas frequentemente entrega frustração. No vídeo que repercutiu amplamente, Mari Kruger foi direta ao afirmar que “a indústria do bem-estar é uma farsa”, denunciando o abismo entre o discurso e a prática de um mercado que transformou o autocuidado em mais um produto de consumo rápido.

No início do corrente mês, durante o HSM+ 25, o médico Peter Attia, autor do livro “Outlive: a arte e a ciência de viver mais e melhor”, fez mais um alerta sobre o perigo do mercado que vende longevidade. Segundo ele, profissionais e empresas que criam testes sem embasamento científico e oferecem um suplemento para melhorar o seu resultado no suposto teste, não merecem credibilidade. Outra falácia apresentada pelo médico são os produtos que prometem ótimos resultados sem esforço para a sua qualidade de vida. A prática regular do M.A.I.S. = Movimento diário, Alimentação natural, Inteligência emocional em equilíbrio e Sono reparador, o que exige intenção e esforço da nossa parte, é o que a ciência comprova que irá nos proporcionar uma longevidade saudável.

Essa contradição é o que muitos autores já descrevem como o burnout do bem-estar: a exaustão causada pela tentativa incessante de atender às expectativas impostas por um modelo de vida saudável que, em vez de libertar, aprisiona. Pessoas se sentem culpadas por não meditarem o suficiente, por não seguirem a dieta perfeita, por não treinarem sete dias por semana. A saúde se transformou em um espetáculo — e o corpo, em vitrine.

O risco da mercantilização da saúde

Pesquisadores como Fábio Dominski, autor de diversos estudos sobre comportamento e motivação no exercício físico, alertam para o perigo de reduzir a prática corporal a uma lógica de produtividade e consumo. Dominski destaca que “o exercício físico precisa ser vivido como experiência prazerosa e significativa, e não como obrigação estética ou desempenho competitivo”. Quando a prática é guiada pelo medo de não pertencer ou pela busca por aceitação social, o bem-estar deixa de ser processo e se torna pressão.

Na mesma direção, Thiago Matias, em suas reflexões sobre o papel do profissional de Educação Física na sociedade contemporânea, chama a atenção para um fenômeno preocupante: o deslocamento da saúde do campo do cuidado para o campo do negócio. Segundo ele, “o mercado fitness corre o risco de perder sua essência quando transforma o corpo em mercadoria e a relação com o aluno em contrato de curto prazo”. O profissional deixa de ser um agente de transformação para se tornar um vendedor de resultados.

Essas críticas não são um ataque ao mercado, mas um chamado à consciência. O problema não é vender bem-estar, e sim, vender a qualquer custo, mesmo quando o preço é a saúde emocional das pessoas. Quando o foco está apenas em metas, faturamento e métricas de engajamento, o vínculo humano se rompe e o que resta é apenas transação.

É preciso acolher, orientar e acompanhar!

Em meu livro Mercado do Bem-Estar: Acolher, Orientar e Acompanhar, proponho um reposicionamento ético e humano para todos os profissionais e empreendedores do setor. O modelo que defendo não se sustenta em slogans prontos, mas em relações reais, escuta ativa e presença contínua.

Acolher é enxergar o outro antes de enxergar o corpo, é compreender o contexto antes de prescrever o treino.

Acolher é o primeiro passo para restabelecer a confiança. Quando o aluno é ouvido, ele se engaja não por obrigação, mas por pertencimento. Esse acolhimento cria o que chamo de círculo do cuidar, uma dinâmica em que o profissional deixa de ser apenas técnico e passa a ser educador do autocuidado.

Orientar é transformar informação em sentido. É guiar o aluno de forma empática, respeitando seu ritmo e suas possibilidades.

A orientação verdadeira não impõe metas inatingíveis, mas constrói um caminho viável. É nesse ponto que o mercado do bem-estar precisa se reinventar: saindo da promessa de resultados rápidos e voltando-se para o acompanhamento de processos duradouros.

Acompanhar é permanecer junto, celebrar pequenas conquistas e ajustar o percurso quando for necessário. É estar presente, mesmo quando o resultado não aparece no espelho.

Essa tríade — acolher, orientar e acompanhar — devolve ao bem-estar o que o mercado tentou roubar: a humanidade.

O papel ético do profissional de bem-estar

Os profissionais da Educação Física, da Nutrição, da Psicologia e de outras áreas ligadas à saúde têm hoje uma responsabilidade imensa: reumanizar o cuidado. Mais do que prescrever treinos ou vender produtos, é preciso inspirar confiança e coerência. Fábio Dominski destaca que “a motivação genuína nasce da autonomia, da competência e do pertencimento”. Esses três elementos são antídotos contra a lógica da performance imposta pelo mercado.

Thiago Matias reforça esse pensamento ao dizer que “é preciso devolver à Educação Física o papel de cuidar do humano em sua totalidade e não apenas moldar corpos ou vender experiências passageiras”. Esse chamado é especialmente importante em um tempo em que o algoritmo dita o que é saudável e o que é bonito.

O verdadeiro desafio é educar para o autocuidado consciente, e não para o consumo do cuidado.

Ensinar as pessoas a se moverem por prazer, a se alimentarem com consciência, a dormirem com qualidade e, principalmente, a se perdoarem quando não conseguem ser “perfeitas”.

A virada necessária

O mercado do bem-estar vive um ponto de inflexão. Cresce o número de marcas e profissionais que começam a perceber que vender performance já não encanta: o que encanta é gerar pertencimento. As pessoas estão cansadas de discursos prontos. Querem ser ouvidas, compreendidas e acolhidas.

Por isso, talvez seja hora de fazermos uma pausa e nos perguntarmos: o que estamos fazendo com o mercado do bem-estar? Estamos realmente promovendo saúde ou apenas comercializando uma ideia de saúde? Estamos ajudando pessoas a se cuidarem ou apenas ensinando-as a consumirem mais?

Enquanto o mercado continuar priorizando números em vez de vínculos, o bem-estar seguirá sendo mais um produto em prateleira. Mas, se conseguirmos recolocar o humano no centro do cuidado, o bem-estar voltará a ser o que deveria ser: um processo de reconciliação consigo mesmo e com o mundo.

Menos mercado, mais bem-estar

Chegou o momento de desacelerar! De trocar a competição pela compaixão. De colocar o ser antes do ter. Como escrevo em meu livro:

O bem-estar não é um produto que se entrega; é uma relação que se constrói.

“Menos mercado, mais bem-estar” significa devolver sentido ao que fazemos, recolocar o propósito acima do lucro e entender que cuidar é, antes de tudo, um ato de presença.

Que cada profissional do setor possa olhar para sua prática e se perguntar:

Estou vendendo bem-estar ou estou promovendo bem-estar?

A resposta a essa pergunta, mais do que qualquer estratégia de marketing, definirá o futuro — e a alma — do nosso mercado!

Referências

Dias, Angelo G. Mercado do bem-estar: acolher orientar e acompanhar. Campos dos Goytacazes, RJ: L.A. Editora e Publicações, 2025.

Dominski, Fábio. A Jornada Psicológica do Exercício Físico. São Paulo: Sucesso Pocket, 2025.

Matias, Thiago S. Motivação, atividade física e mudança de comportamento. Curitiba: Appris, 2019.

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