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Mercado e bem-estar podem ocupar a mesma frase

Colunista: Angelo Dias

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O mercado do bem-estar se consolidou como um dos setores mais promissores da economia mundial, movimentando trilhões de dólares e impactando hábitos de consumo, práticas corporativas e estilos de vida. No entanto, o crescimento vertiginoso também traz riscos: a transformação da busca genuína por saúde e qualidade de vida em um terreno fértil para ilusões, consumo vazio e exploração da vulnerabilidade humana.

No vídeo “A Indústria do Bem Estar é uma Farsa, apresentado por Mari Kruger no TEDxBlumenau (agosto/2025), a influenciadora digital lança um alerta contundente: a lógica mercadológica frequentemente se apropria das fragilidades emocionais e físicas das pessoas para vender promessas inalcançáveis de felicidade, juventude e plenitude. Segundo ela, práticas que deveriam promover equilíbrio e autocuidado acabam sendo transformadas em produtos caros, elitizados e, muitas vezes, ineficazes. O discurso do bem-estar, nesse contexto, pode se tornar uma narrativa sedutora que mascara interesses puramente comerciais.

Essa crítica é aprofundada por Rina Raphael no livro The Gospel of Wellness (2022). A autora descreve como a indústria cria um “evangelho” de soluções rápidas — detox, suplementos milagrosos, métodos revolucionários — que pouco dialogam com evidências científicas e mais com a ansiedade de consumidores em busca de controle sobre a vida. Raphael mostra ainda como o setor reforça desigualdades: enquanto poucos têm acesso a serviços personalizados, a maioria consome produtos superficiais que não transformam efetivamente a saúde. O resultado é um ciclo de frustração, no qual o indivíduo nunca alcança a promessa vendida, permanecendo refém do mercado.

Essas críticas convergem para um ponto comum: o risco do mercado do bem-estar perder sua essência. Não se trata de negar o papel do setor na promoção da saúde, mas de reconhecer que, quando orientado apenas pelo lucro, ele pode se tornar uma farsa. Essa percepção se conecta a reações que ouvi ao longo da minha trajetória. Ao conhecer os pilares do Capitalismo Consciente, o comentário recorrente foi que “capitalismo e consciente não cabem na mesma frase”. Da mesma forma, quando apresentei meu livro “Mercado do bem-estar: acolher, orientar e acompanhar”, o professor Marcos Bortolato observou que “mercado e bem-estar não cabem na mesma frase”.

O Círculo do Cuidar

Apesar da desconfiança, acredito que mercado e bem-estar podem, sim, ocupar a mesma frase, desde que exista um reposicionamento ético, no qual o lucro seja consequência — e não motor — de uma entrega de valor real. Nesse sentido, o Círculo do Cuidar, baseado nos pilares acolher, orientar e acompanhar, representa uma alternativa prática e necessária para evitar que o setor caia na armadilha da superficialidade.

ACOLHER significa abrir espaço para a escuta genuína. No mercado do bem-estar, muitas vezes a pessoa é tratada apenas como “consumidor” e não como ser humano. Acolher é enxergar cada indivíduo em sua integralidade — sua história, suas inseguranças, suas condições reais de vida. É acolher também a diversidade de corpos, de culturas e de possibilidades, rompendo com o padrão único de beleza ou saúde que a indústria insiste em reforçar. Sem acolhimento, o risco é transformar o cliente em número e perpetuar frustrações.

ORIENTAR vai além de oferecer informações: trata-se de educar com clareza, baseando-se em ciência e experiência. Orientar é ajudar a pessoa a distinguir entre soluções efetivas e promessas enganosas. No universo atual, saturado por marketing digital, influencers e conteúdos duvidosos, a orientação ética se torna ainda mais relevante. É dever do profissional de saúde guiar escolhas conscientes, reforçando que bem-estar é processo, não fórmula instantânea. Essa etapa recoloca o saber profissional no centro da entrega de valor.

ACOMPANHAR é assegurar que o cuidado não se encerre na primeira intervenção. É um processo contínuo, que prevê ajustes, motivação e feedback. No mercado, vemos a lógica da venda rápida e da desistência precoce. O acompanhamento rompe com essa mentalidade, criando vínculos duradouros e sustentáveis. A presença ativa do profissional, adaptando práticas às mudanças da vida do cliente, é o que garante resultados consistentes. Sem acompanhamento, até a melhor orientação pode se perder ao longo do tempo.

Esse modelo dialoga diretamente com os quatro pilares do Capitalismo Consciente. O primeiro, propósito maior, desafia empresas a existir para além do lucro, alinhando sua atuação a causas significativas, como a promoção real da saúde. O segundo, orientação para stakeholders, amplia a responsabilidade da organização, reconhecendo que seus impactos atingem clientes, colaboradores, comunidade e meio ambiente. O terceiro, liderança consciente, exige gestores capazes de equilibrar resultados econômicos e valores humanos. E o quarto, cultura consciente, estabelece práticas internas que fortalecem a transparência, a ética e o cuidado no cotidiano das empresas.

Aplicar esses pilares ao mercado do bem-estar significa alinhar discurso e prática, evitando que a palavra “bem-estar” seja apenas um chamariz de marketing. A integração do Círculo do Cuidar com o Capitalismo Consciente oferece um caminho possível: um setor lucrativo, sim, mas fundamentado em acolher pessoas, orientar com responsabilidade e acompanhar de forma contínua.

Se essa essência for esquecida, o alerta de Mari Kruger e as críticas de Rina Raphael se tornarão profecias cumpridas: um mercado de ilusões, promessas vazias e consumidores enganados. Mas se for retomada, mercado e bem-estar não apenas poderão ocupar a mesma frase, como também poderão inaugurar uma nova era de prosperidade ética, sustentável e transformadora.

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