Você sabia que existe um grupo de estudos sobre permanência e persistência de alunos no ensino superior? Pesquisadores que entendem a sala de aula como um local de troca de informações e experiências entre alunos que fortalece vínculo e pertencimento, cruciais para a permanência e conclusão de curso.
Atualmente, tenho a honra de participar do Laboratório LaVida da Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF) e ver de perto o trabalho do Professor Dr. Gerson Tavares do Carmo, da Professora Doutoranda Patrícia Helena Barbosa Azevedo e demais componentes de um time altamente empático e compromissado com o desenvolvimento das pessoas, entendendo que essa forte conexão entre os alunos em sala de aula é capaz de contribuir muito com a permanência e persistência dos estudantes no curso escolhido.
A eficácia dessa rede de apoio foi comprovada pelo LaVida acolhendo, orientando e acompanhando o primeiro período de uma turma do curso de Administração Pública da UENF (2019 – 2022).
Ao ler os livros do Dr. Gerson Tavares, percebi que o que ele chama de Proximidades Espontâneas Socioacadêmicas (PROESA), esses vínculos informais que emergem do convívio da sala de aula, podem ser otimizados com uma ação intencional de acolher, orientar e acompanhar esses estudantes. Por que não trazer essa metodologia para os cursos de Educação Física?
A formação em Educação Física é um processo de construção humana, técnica e ética. Não se trata apenas de formar profissionais capazes de prescrever exercícios, ensinar esportes ou conduzir grupos, mas de preparar sujeitos para cuidar de pessoas e comunidades por meio do movimento. Nesse sentido, o modo como acolhemos, orientamos e acompanhamos nossos estudantes desde o primeiro período do curso é determinante para o futuro da profissão e para a permanência desses jovens na trajetória acadêmica.
Os desafios enfrentados pelos ingressantes no ensino superior são múltiplos: adaptação à vida universitária, dificuldades econômicas, inseguranças pessoais, desajustes emocionais e, muitas vezes, a falta de pertencimento institucional. Como nos lembra Vincent Tinto (2012), a permanência e o sucesso acadêmico não dependem apenas da motivação individual do estudante, mas de uma rede de pertencimento e integração social e acadêmica que deve ser construída pela instituição. Quando o aluno se sente parte de uma comunidade que o acolhe, o orienta e o acompanha, ele encontra razões mais profundas para continuar e prosperar.
No campo da Educação Física, esse cuidado ganha uma dimensão ainda mais significativa. Estamos formando profissionais que atuarão em contextos onde o “cuidar” é um verbo de ação: academias, escolas, clínicas, clubes e comunidades. Assim, se queremos que nossos egressos sejam agentes de bem-estar, precisamos oferecer-lhes, desde o início, uma experiência formativa baseada no cuidado.
Acolher: o primeiro gesto de cuidado
O primeiro contato do estudante com o curso é decisivo! É nesse momento que ele constrói suas expectativas, vínculos e percepções sobre a carreira. Inspirados nas reflexões de Gerson Tavares do Carmo (2020), podemos compreender o acolhimento como uma prática pedagógica e institucional que ultrapassa a recepção formal e se converte em um compromisso humano. Acolher é escutar, compreender o contexto de vida do estudante, valorizar suas experiências prévias e abrir espaço para o diálogo.
O acolhimento, portanto, não é uma ação pontual, mas um processo contínuo de reconhecimento. Envolve professores, coordenadores, veteranos e técnicos administrativos em uma rede de apoio que ajuda o calouro a se perceber pertencente. Quando essa cultura do acolher é fortalecida, a universidade se torna um espaço de confiança e segurança emocional, condições indispensáveis para o aprendizado significativo.
O Círculo do Cuidar, proposto por Angelo Dias (2024), reforça essa visão ao compreender o acolher como o primeiro movimento do ciclo de desenvolvimento humano e profissional. É a porta de entrada para o vínculo e para o compromisso mútuo entre instituição e estudante. Nesse círculo, acolher significa enxergar o outro como sujeito de potencial, e não como número ou matrícula.
Orientar: o caminho entre o propósito e o aprendizado
Após o acolher, vem a fase da orientação, que dá direção e sentido à jornada acadêmica. Orientar é traduzir a experiência universitária, tornando-a compreensível e estimulante. O estudante do primeiro período precisa entender o porquê e o para quê de cada disciplina, de cada prática e de cada leitura. Essa clareza é o que gera engajamento e evita a evasão precoce.
A orientação pedagógica e profissional deve integrar teoria e prática desde o início. Quando o aluno percebe a relação entre o conteúdo da sala de aula e sua futura atuação no mercado, sua motivação se renova. Nesse ponto, o papel do professor é fundamental. Como afirma Carmo (2020), a docência universitária deve assumir uma dimensão tutorial, em que o professor se coloca como guia e referência de percurso, e não apenas como transmissor de conteúdo.
Além disso, a orientação deve incluir aspectos emocionais e éticos: formar um bom profissional de Educação Física é também ajudar o estudante a desenvolver competências socioemocionais, como empatia, comunicação, liderança e autoconhecimento. O processo de orientação é, portanto, integral: cuida do saber, do saber-fazer e do saber-ser.
Acompanhar: permanecer presente ao longo do caminho
Se acolher inicia o vínculo e orientar dá direção, acompanhar é o que sustenta o processo. Acompanhamento é presença. É estar junto nas dificuldades, nas dúvidas e nas conquistas. É o que transforma o ato educativo em experiência transformadora.
Vincent Tinto (2017) destaca que o acompanhamento contínuo é um dos fatores mais poderosos para garantir a permanência estudantil, especialmente nos primeiros anos de curso. Programas de tutoria, monitoria, mentorias entre pares e avaliações formativas contribuem para fortalecer esse vínculo. A presença docente atenta e o feedback constante sobre o desempenho são expressões concretas desse acompanhamento.
Acompanhar é o terceiro movimento do Círculo do Cuidar e representa o compromisso ético com o desenvolvimento do outro. Envolve observar o progresso, reconhecer as conquistas e intervir de maneira proativa quando surgem sinais de desmotivação. É o que mantém viva a chama do propósito inicial e evita que o estudante se perca no caminho.
Formar cuidando: o reflexo no mercado e na sociedade
Quanto melhor cuidarmos dos nossos estudantes ao longo de sua formação, mais preparados eles estarão para cuidar de outras pessoas. A permanência e o êxito acadêmico não são apenas indicadores institucionais, são o reflexo da qualidade das relações que cultivamos dentro das universidades. Acolher, orientar e acompanhar são práticas que formam não apenas licenciados e bacharéis, mas profissionais conscientes de sua responsabilidade social e humana.
A Educação Física, ao mesmo tempo ciência e prática social, precisa reafirmar seu papel no cuidado integral das pessoas. Isso começa dentro das próprias instituições formadoras. Quando o estudante é cuidado, ele aprende o valor do cuidado. Quando é orientado com propósito, aprende a ensinar com sentido. E quando é acompanhado com presença, aprende a estar presente para os outros.
Cuidar dos futuros profissionais é cuidar do futuro do bem-estar da sociedade. Seja na escola, na academia, na clínica ou no projeto social, o impacto desse processo reverbera. O ciclo se fecha quando o egresso, agora educador, treinador ou gestor, reproduz em sua prática aquilo que viveu na universidade: o acolhimento, a orientação e o acompanhamento. O cuidar se torna, assim, um legado.
Referências
CARMO, Gerson Tavares do. O enigma da permanência na Educação: incursões técnicas e metodológicas para investigação. Campos dos Goytacazes: Brasil Multicultural, 2020.
CARMO, Gerson Tavares do. A sala de aula sobre outro paradigma: ensaios sobre o permanecer dos alunos, com alunos e para alunos do Ensino Superior Público. Campos dos Goytacazes: Encontrografia, 2021.
DIAS, Angelo. O Círculo do Cuidar: acolher, orientar e acompanhar na formação e no mercado do bem-estar. Campos dos Goytacazes: Independente, 2024.