*Artigo escrito em parceria com a advogada Monyse Inocêncio.
Nos últimos anos, o mercado fitness passou por uma evolução significativa. O que antes era centrado em equipamentos modernos, planos acessíveis e inovação em treinos, hoje exige também compromisso com valores, ética e integridade. Nesse novo cenário, o compliance surge não como uma formalidade jurídica, mas como um fator estratégico para a sustentabilidade dos negócios no setor de condicionamento físico.
Implantar práticas de compliance é uma escolha de cultura. Exige liderança envolvida, comunicação transparente e, acima de tudo, coerência entre discurso e prática. Para academias e empresas voltadas ao bem-estar, onde a relação com o cliente se baseia em confiança e reputação, isso é ainda mais determinante.
Um dos maiores obstáculos, porém, costuma vir de dentro. É comum encontrar resistência de colaboradores e até de gestores que, em um primeiro momento, enxergam as novas diretrizes como algo que engessa processos ou interfere na rotina. Essa resistência, na maioria das vezes, não vem da ignorância, mas de um receio legítimo de perda de autonomia. Superar essa barreira passa, inevitavelmente, pela forma como o tema é apresentado e vivenciado.
A comunicação clara e assertiva e o exemplo da alta liderança são cruciais nesse ponto. Há casos em que gestores inicialmente contrários ao programa de compliance mudaram sua percepção após serem ouvidos e envolvidos na construção das diretrizes. Além de construir, seguir e impor regras e combinados, a liderança deve mostrar, na prática, os ganhos de longo prazo que a ética traz: melhora no clima organizacional, redução de riscos e fortalecimento da imagem da marca e reputação da empresa.
O que fazer na academia
Nesse processo, as políticas internas e o regimento interno de colaboradores exercem um papel central. Eles funcionam como guias que traduzem os valores do compliance para o cotidiano da operação. Quando bem elaborados, esses documentos ajudam a alinhar expectativas, padronizar condutas e orientar tomadas de decisão, minimizando ambiguidades e prevenindo desvios de conduta.
Um código de conduta acessível, por exemplo, pode esclarecer quais comportamentos são esperados dos colaboradores dentro e fora da academia. Já um regimento interno consistente ajuda a comunicar de forma clara as regras de convivência, os direitos e deveres dos colaboradores e os canais de apoio disponíveis, como ouvidoria ou canal de denúncias. Essas ferramentas não só trazem segurança jurídica à empresa, como também demonstram cuidado com o time e compromisso com um ambiente saudável.
Em uma rede de academias que recentemente implementou um programa de compliance, o primeiro passo foi revisar seu regimento interno. Termos genéricos foram substituídos por diretrizes claras, ligadas diretamente aos valores da empresa. Em paralelo, foram promovidos treinamentos com as equipes para explicar o porquê das mudanças. O resultado foi imediato: o engajamento aumentou e a aceitação das novas políticas foi muito mais natural, porque os colaboradores perceberam que não se tratava apenas de “mais regras”, mas de uma estrutura que valorizava a transparência e o respeito mútuo.
Também é importante lembrar que a implementação de compliance deve ser feita de forma gradual e estratégica. Ao invés de impor todas as mudanças de uma vez, dividir o processo em etapas facilita a adaptação. Começar com a estruturação de políticas internas, depois investir em treinamentos e, na sequência, criar canais de comunicação e controle, é uma maneira eficiente de construir confiança e garantir aderência ao programa.
Para que o compliance não seja visto como algo imposto de fora, é fundamental que ele esteja alinhado ao propósito e valores da empresa. Quando os colaboradores percebem que as práticas propostas têm conexão real com os valores que a academia prega — como responsabilidade, bem-estar e integridade — a resistência diminui e o engajamento cresce. É nesse ponto que o compliance deixa de ser uma “obrigação legal” para se tornar uma ferramenta estratégica.
E essa estratégia só funciona de verdade quando a liderança atua como protagonista do processo. Não basta delegar a responsabilidade ao setor jurídico ou administrativo. Os líderes precisam participar, dar voz às equipes, ouvir sugestões e mostrar, com atitudes, que a ética faz parte da identidade da empresa. Criar comitês internos, com representantes de diferentes áreas, por exemplo, é uma forma eficaz de tornar a construção coletiva e contextualizada à realidade de cada unidade.
Por fim, o que está em jogo é a credibilidade. Em um setor onde o “boca a boca” é poderoso e a experiência do cliente é o centro de tudo, investir em ética, transparência e boas práticas internas é uma forma de proteger e potencializar o negócio.
E para isso, as políticas internas e o regimento de colaboradores não são meros anexos administrativos. São as ferramentas que conectam a cultura desejada ao comportamento real no dia a dia da academia.