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Neurociência e liderança – Parte 4

Colunista: Thiago Villaça

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A verdade é que existem diversas maneiras para fazer uma equipe alcançar a alta performance e, provavelmente, você já leu bastante a respeito de líderes que comandaram times medíocres e os transformaram em super campeões. A história do esporte individual também está repleta de superação, recordes e atuações improváveis de protagonistas considerados “azarões” em suas modalidades que fizeram espectadores se perguntarem “como ele fez aquilo?”.

Embora não exista um estudo que possa afirmar com 100% de exatidão o real motivo que levam times e pessoas consideradas medianas a terem performances avassaladoras, a neurociência sugere algumas explicações para este fenômeno. Algumas linhas de raciocínio não são 100% aceitas, já outras são amplamente consensuais, mas o fato é que todas partem da premissa de que existe, nas pessoas comuns, atletas e equipes, um fator ou um conjunto de fatores que, quando são ativados, elevam o patamar de suas performances, seja no esporte ou trabalho comum, e a melhor parte desta notícia é que tudo que será revelado a seguir pode ser usado por você para fazer a sua equipe melhorar brutalmente de desempenho.

Antes de começar, é preciso dizer que durante a criação deste artigo ficou evidente que não seria possível publicá-lo na íntegra e, por este motivo, decidimos dividi-lo em duas partes como mostra o índice abaixo:

Neurociência e liderança – parte 4

  1. O poder oculto do foco restrito
  2. Faça com que seja divertido!
  3. O que está em jogo?
  4. Desmentindo a motivação

Neurociência e liderança – parte 5

        5. Não espere, provoque maturidade!
        6. Pelo que você e o seu time lutam?
        7. Do que você faz parte?

Aproveite para depois da leitura deixar o seu comentário e dizer o que achou!

1. O poder do foco restrito

Competidores de alta performance raramente pensam no calendário de eventos ou nos prováveis adversários que enfrentarão na disputa do título. “Quem quer ser campeão não pode escolher adversário” é uma expressão que define bem o modelo mental de quem usa a restrição para melhorar o foco, porém não é só isso.

Foco restrito é escolher acreditar na ausência do elemento adversidade. É entrar na disputa confiante do que precisa ser feito independente das condições, circunstâncias ou estratégias e táticas do adversário. Foco restrito é concentrar energia nas próprias potencialidades para superar o desafio, não importa o “quilate” do oponente.

É muito comum, em campeonatos onde as fases finais se desenrolam ao longo de um único dia, como surf, judô, karatê e tênis de mesa, por exemplo, ouvir do vencedor que o foco dele estava no avanço da fase e que só foi saber o nome de quem havia derrotado no final do confronto.

Agora, falando da sua academia, quando o desafio é entregar uma experiência superior para o cliente, o professor precisa entender que, o foco restrito dele deve ser guiado pela pergunta “como eu posso fazer a diferença na vida das pessoas que estão sob minha influência, neste momento?” Embora o maior beneficiado dessa pergunta seja o cliente, o alvo deste questionamento não é o consumidor, mas sim, as pessoas, tarefas e circunstâncias envolvidas na prestação do serviço. O foco restrito pode ser usado pelo professor de sala para, também, fazer com que o seu horário de trabalho seja o melhor da academia. A pergunta guia deve ser “como eu posso fazer para ser reconhecido, pelos clientes, como o professor responsável pelo melhor horário da academia?”

Novamente o foco não está no cliente, mas sim, no conjunto de comportamentos que o professor deve adotar para ser reconhecido da maneira que gostaria. Foco restrito é gastar energia com o que importa, mas geralmente o que acontece é que a atenção dos professores dispersa para o valor da hora aula, a escala de fim de semana, o horário que ele vai sair de sala para poder “descansar” e todo resto que não faz a menor diferença no real papel que ele tem na vida das pessoas.

Gestor, grave isso: é você que determina o foco da equipe. Mostre para os indivíduos que o foco deve ser fazer o cliente ter vontade de voltar no dia seguinte, mostre para todos a importância de se preocupar com a sua produtividade, resultado, comportamento, imagem e carreira. Mostre para a sua equipe que eles escolheram a Educação Física para lidar com gente, não para prescrever exercício.

Para justificar uma possível dificuldade de fazer a sua equipe ter foco restrito, é possível que você acredite que os seus funcionários não sejam comprometidos com a profissão, não vistam a camisa da empresa e não queiram nada com a vida. Sinto lhe dizer, mas se você realmente acredita nisso, o problema não são eles, o problema é você que não consegue fazer eles enxergarem o que realmente importa! Faça a sua equipe olhar para o que realmente importa!

2. Faça com que seja divertido

Diversão é o elemento que mais ganhou destaque nos últimos anos, mas não há unanimidade a respeito da sua eficácia na alta performance porque os pesquisadores não estão totalmente convencidos a respeito da possibilidade de levar uma tarefa a sério e ser divertida ao mesmo tempo. Como não há um consenso, vamos aos dois argumentos que as pessoas e equipes utilizam para justificar que a diversão pode ser usada para alcançar a alta performance.

O primeiro é que, diferente do foco restrito, a diversão se utiliza da “atmosfera”, da circunstância e do que o atleta decide encarar na disputa. Jogadores de futebol usam pouco este elemento por entender que estão sempre encarando vários adversários ao mesmo tempo (juiz, time rival, torcida adversária, banco de reservas etc), mas velocistas, ginastas, esquiadores e até lutadores decidem utilizar a diversão como estratégia para esquecer, momentaneamente, a pressão por resultados e usar, no lugar da cobrança, o sentimento de prazer por fazer o que gosta, independente do retorno financeiro ou da envergadura do contrato que pode ser assinado com uma vitória ou rompido com uma derrota.

É muito comum ouvir de atletas de alto desempenho que eles “só estavam preocupados em se divertir” quando vencem suas disputas. Eles não estão mentindo ou sendo modestos, estão sendo verdadeiros. Pessoas que sabem se divertir com suas profissões por muito tempo sustentaram a escolha de trabalhar com o que gostam para ganhar pouco ou quase nada e isso revela algo mais profundo e o segundo motivo que fazem os cientistas acreditarem que a diversão é um elemento poderoso para a alta performance.

Para exemplificar, pense em uma adolescente praticante de judô, moradora de uma comunidade pobre que vai representar o Brasil em outro país tendo que tirar uma vez por mês, do próprio bolso, o dinheiro da passagem de avião para competir. A falta de apoio, patrocínio, ausência de investimento na carreira, somados à pressão para terminar os estudos, treinar e sustentar a família, têm um significado muito importante para esta adolescente, o de que sonhos têm preço! Os atletas geralmente encontram muito cedo a resposta para a pergunta “qual preço você está disposto a pagar para conquistar os seus sonhos?“.

Gestor, fazer esta pergunta para o seu professor, dentro de um programa de desenvolvimento profissional interno, faz com que o profissional tenha a chance de amadurecer as suas próprias convicções, fortalecer as certezas e se preparar emocionalmente para os desafios e dificuldades das escolhas da vida. Quer usar a diversão a favor da sua gestão? Faça essa pergunta para o seu professor! Não é cafona, invasão de privacidade ou “colocar o profissional contra a parede” perguntar o preço que ele está disposto a pagar pelos próprios sonhos, é só uma forma de você medir o comprometimento que ele tem com o que escolheu para a própria carreira e, também, fazê-lo lembrar que, se foi o prazer que guiou a sua escolha profissional, ele deveria se divertir com isso, não acha? 

3. O que está em jogo?

Para falar deste elemento trago a história da medalha de ouro dos Jogos Pan Americanos de 2003 conquistada por Fernando Meligeni no Tênis individual masculino. Para contextualizar, é preciso dizer que Fininho, como era chamado, alcançou a sua melhor posição no ranking da ATP (vigésimo quinto) em 1999 ao perder na semifinal para, ninguém mais ninguém menos que Gustavo Kuerten no aberto de Roma e, no campeonato seguinte (Roland Garros), perder para o algoz de Guga nas quartas de final.

Dito isto, precisamos considerar que o tenista brasileiro alcançou a sua melhor posição no ranking com duas derrotas nas fases finais e, em nenhum momento da sua trajetória no tênis profissional, foi considerado uma ameaça por seus adversários nos torneios que disputou. Mesmo assim, 1999 foi considerado, por Meligeni, o ano que seu Tênis estava no auge da performance, porém, se estava, porque ele não foi campeão dos jogos Pan Americanos de Winnipeg no mesmo ano? Ou ainda, por que a maior conquista da sua carreira não veio no auge da sua performance como atleta uma vez que só havia 24 pessoas à sua frente no ranking mundial? Primeiro, porque em 1999, o foco restrito dele estava no circuito da ATP e, apesar de estar na melhor forma técnica e física, ele não conseguia superar os melhores do mundo. Segundo, porque não havia nada de importante no “Pan de 1999” que fizesse ele cogitar a ideia de largar momentaneamente o circuito mundial (e as premiações) para ir para Winnipeg competir.

Entre 2001 e 2002 Meligeni amadureceu a ideia de não fazer mais parte do circuito mundial. No ano seguinte, prestes a completar 33 anos e cada vez mais distante da melhor forma técnica e sem nenhum título expressivo, ele vislumbrou, no Panamericano de Santo Domingo, a oportunidade de se despedir do tênis profissional e, ao mesmo tempo, realizar o maior feito da sua carreira. Decidido a conquistar a medalha de ouro, o tenista brasileiro colocou, em cada partida da competição, 13 longos anos de dedicação, raça e paixão pelo esporte para se sagrar o campeão do torneio. Não foi pela medalha, não foi pelo triunfo, não foi pelo dinheiro, não foi pela fama, foi por tudo que estava em jogo!

Um exemplo parecido é a medalha de prata do ginasta brasileiro Diego Hypolito, nos Jogos Olímpicos de 2016, no Brasil. O atleta, após perder a medalha de ouro, afirmou que o auge do seu condicionamento físico e técnico foi na olimpíada de Pequim, quatro anos antes, mas o fato da olimpíada no Rio de Janeiro ser a última da sua carreira fez com que ele superasse as limitações técnicas e físicas para alcançar o seu melhor resultado em uma olimpíada. Muitas vezes não é a competência, a qualidade, a seriedade dos treinos, a dedicação, o dinheiro, a fama ou a vontade de vencer que fazem as pessoas conquistarem resultados expressivos. Às vezes, é uma questão de saber o que está em jogo, o peso que isso tem e o que isso significa para as pessoas.

Como gestor, você sabe, individualmente, o que está em jogo nas escolhas diárias dos seus professores? Você sabe pelo que as pessoas passam e o preço que elas pagam para trabalhar, na sua empresa, com o que escolheram? Você consegue mensurar o significado das conquistas, o peso das vitórias e a importância das alegrias e derrotas da vida de quem trabalha com você? Somente quando você tem acesso a essas informações é que consegue saber o que está em jogo.

4. Desmistificando a motivação

A neurociência usa a curiosidade insaciável para entender, de fato, as origens do nosso comportamento. Essa curiosidade é importante para nós, gestores, não apenas para ter consciência a respeito do que promove a alta performance, mas também do que a impede de ser alcançada. O consenso diz que a motivação é algo interno, ou seja, depende do indivíduo, mas e se isso não for totalmente verdade? Duvidar do óbvio e refutar uma conclusão aparentemente consensual é uma tarefa difícil pois, muitas vezes, encontra a barreira do “quem você pensa que é para questionar a maioria?”.

Sem tempo para perguntas irrelevantes e com foco restrito no objetivo de encontrar novas formas de pensar os neurocientistas, insatisfeitos com a ideia de que a motivação é algo interno, fizeram a mesma pergunta, só que de outra maneira, para entender “quem é o responsável pela desmotivação das pessoas”. Debruçados nesta questão, eles chegaram à conclusão que tratar a motivação como algo interno ou externo não é suficiente para explicar as suas razões e, ao se aprofundarem no comportamento humano para entender melhor como ela funciona, verificaram que o “motivo para a ação” em nosso DNA é regulado por uma hierarquia de instintos que nos acompanha desde a ascensão dos primatas.

As implicações desta hierarquia revelam que a segurança e a busca pela estabilidade motiva mais as pessoas do que a conquista e o tamanho da recompensa, mas não é só isso. A preferência pela segurança e estabilidade acontece porque o instinto de preservação da vida foi o primeiro a ser programado em nosso DNA. Este instinto até hoje atua no comportamento humano com o objetivo de dar continuidade ao nosso código genético. Dito isto, a única preocupação deste instinto é, e sempre foi, com a sequência e a perpetuidade da nossa espécie. Por ter pouca ou nenhuma preocupação com as questões urgentes e ser incapaz de “avaliar” riscos e oportunidades de curtíssimo prazo, o homo-sapiens, de todas as outras espécies de humanos, foi o único que conseguiu desenvolver, a partir do instinto da preservação, uma programação capaz de avaliar tais riscos e oportunidades com urgência, rapidez e inteligência. Tal habilidade conferiu aos nossos ancestrais uma vantagem evolutiva de extrema importância para a manutenção diária da vida. Essa programação é chamada de instinto de sobrevivência e, de forma muito resumida, ele serve para nos avisar sobre o momento correto de correr para comer e de correr para não virar comida!

Na escala hierárquica dos “motivos que nos fazem agir” o instinto de sobrevivência é a garantia que o instinto de preservação tem para completar a missão de perpetuar a nossa espécie. Apesar de, aparentemente, terem o mesmo objetivo, os dois instintos adotam responsabilidades complementares e, muitas vezes, antagônicas. Em outras palavras, enquanto “a preservação” quer correr para comer, “a sobrevivência” quer levar em consideração os riscos de ser devorado pelos predadores. Isso fez os neurocientistas concluírem que, em determinados momentos, um instinto incentiva e o outro pondera, um instinto motiva e o outro desmotiva. O instinto de sobrevivência, embora abaixo do instinto do de preservação na escala hierárquica, tem um papel mais específico do ponto de vista evolutivo. Essa especificidade fez com que o comportamento do Homo-sapiens, ao longo do tempo, se tornasse mais responsável, consciente e conservador quando o assunto era o equilíbrio entre “sobreviver por mais um dia” e “preservar o futuro da espécie”.

A conquista do equilíbrio entre o “motivo para a ação” e o “motivo para não agir” revela que o ser humano sempre teve que lidar internamente com as consequências de seus atos, mas surpreendentemente também revela que a decisão de agir depende de como estes dois instintos se relacionam, entendem e percebem o meio ambiente a sua volta.

Este entendimento conclui que, tanto a motivação quanto a decisão de agir, são maiores quando existe alta probabilidade de garantir, conservar e preservar a vida. Por outro lado, o inverso é verdadeiro, ou seja, os motivos para ação são menores quando existe baixa probabilidade de preservar, garantir e conservar a vida. Esta conclusão gera duas grandes implicações que impactam diretamente o nosso dia a dia: a primeira implicação esbarra na capacidade que o gestor tem de proporcionar um ambiente seguro (físico, mental e emocional) e que preserva o que o seu professor acredita ser fundamental e importante para a sobrevivência dele, na profissão. Em outras palavras, se o profissional acreditar que o gestor preserva, garante e investe na estabilidade dele na profissão, o indivíduo estará muito mais suscetível a ser uma pessoa motivada no trabalho. Por outro lado, se o gestor não tem capacidade para entender qual é o motivo para ação que o profissional valoriza, dificilmente terá um profissional motivado atendendo o seu cliente.

A segunda implicação desmente a crença de que a motivação das pessoas e a capacidade que elas têm de tomar decisões depende da quantidade, da qualidade e da promessa dos benefícios (inclusive financeiros) envolvidos na tarefa profissional. Historicamente, nós preferimos recompensas que envolvam garantias, sobrevivência e estabilidade em detrimento de recompensas generosas com pouca ou nenhuma garantia de continuidade. Neste sentido, é um equívoco pensar que o problema central em relação à motivação ou desmotivação das pessoas é o valor da hora aula ou se paga ou deixa de pagar o vale transporte. Por outro lado, é sensato afirmar que a motivação, ou a desmotivação dos indivíduos, necessariamente passa pela leitura que estes têm sobre o ambiente, a gestão e a direção da academia e, portanto, sim, você tem responsabilidade direta nos motivos para ação das pessoas. 

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