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Expectativas de Clientes em Centros Fitness & Wellness no Pós-Pandemia: Um Ensaio Sobre a Incerteza e Mudança de Propósitos

Colunista: Edvaldo de Farias

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A grande maioria dos serviços prestados por centros de fitness & wellness teve como pressuposto, até aqui, na presencialidade física, no contato direto e na proximidade entre pessoas a única forma de acontecer. Até bem pouco tempo, especificamente antes da pandemia, serviços virtuais eram considerados como algo “estranho”, “inadequado” e “incompleto”, além de receber críticas contundentes, de caráter técnico-científico, quanto à eficácia nos resultados pretendidos por seus consumidores.

Porém, a condição de confinamento domiciliar e distanciamento social, que não foram escolhas, mas sim necessidades mundialmente identificadas como forma de preservar vidas, impactou diretamente nos centros de fitness & wellness, levando ao fechamento repentino e, por conseguinte, a uma mudança radical na forma desses clientes se relacionarem e consumirem serviços nessas empresas.

Nesse contexto, e com o avanço na direção do controle da COVID-19, o retorno ao consumo no formato presencial, ainda que cercado de restrições e medidas de segurança, demanda uma reorganização da logística e da higiene dessas empresas. Além disso, novas práticas, hábitos e atitudes de todos os stakeholders envolvidos nessa relação de consumo são necessárias, ainda que muitas sequer tenham sido imaginadas anteriormente, algumas vezes até mesmo negando pressupostos que eram senso comum nesses centros.

Além de atender a um conjunto relevante de exigências sanitárias, todas as empresas que retornarem suas atividades precisam perceber que o cliente que retornará não é mais o mesmo, pois foi modificado compulsoriamente em suas crenças, convicções e percepções no que diz respeito à própria vida e, por isso mesmo, compreender com riqueza de detalhes essas “novas” demandas representa não apenas aprender a viver um “novo normal” – expressão simplificadora em excesso, ao nosso ver, e que não dá conta da complexidade vivida.

Estamos sim, diante de um novo cenário, uma nova realidade, que nos parece mais explicável quando associada ao conceito VUCA, que nasceu do acrônimo das palavras em inglês Volatility, Uncertainty, Complexity e Ambiguity (respectivamente volatilidade, incerteza, complexidade e ambiguidade, ou VICA em português), criado pelo U.S Army War College na década de 90 para explicar as características do mundo no contexto pós-Guerra Fria, uma realidade, em alguns aspectos, semelhante a que vivemos agora.

Diante desse contexto, consideramos fundamental que profissionais atuantes nas empresas do segmento fitness & wellness levem em consideração que o retorno das atividades nessas empresas se dará em forma de processo, ou seja, numa sequência temporal com características diferenciadas e que demandam indagações específicas por seus atores, como demonstramos na figura 1 a seguir.

Figura 1. Processo de reabertura das empresas fitness & wellness. Fonte: o autor

Este processo considera, portanto, o envolvimento de diferentes stakeholders na produção das entregas que a empresa se propõe a fazer. Sob esse ponto de vista, é relevante considerar que a participação e importância de todos esses atores está alinhada, e considera como base conceitual, a teoria dos stakeholders (FREEMAN, 1984) quando propõe que os negócios devem trazer benefícios para todos aqueles envolvidos direta/indiretamente na sua produção, considerando que desempenham papéis distintos mas igualmente relevantes no resultado final (DUFRENE; WONG, 1996).

Este modelo conceitual se opõe, e busca superar a teoria dos shareholders (FRIEDMAN, 1962), que propunha um foco apenas nos proprietários/acionistas das organizações como direção e propósito das ações gerenciais e, por conseguinte, nas preocupações no que diz respeito aos impactos dos resultados produzidos.

Diante desse contexto, de um inusitado “reinício” do consumo, de serviços nos centros de fitness & wellness, foi realizada um levantamento opinativo, a partir da 2ª semana do isolamento social formalmente decidido pelos órgãos governamentais, no qual o fechamento dessas empresas estava inserido.

Para isso, foram consultados adultos, de ambos os sexos, clientes regulares de centros de fitness & wellness independente da idade, tempo de prática, tipo de modalidade praticada e objetivos dessa prática.

Os respondentes, para que suas respostas fossem consideradas válidas, deveriam declarar, a priori, a intenção de retornar suas práticas nos locais onde treinavam antes do fechamento gerado pela pandemia. Foram utilizados canais eletrônicos (virtuais) para a recolha dos dados, buscando respostas para uma única questão: “o que você espera encontrar no retorno ao centro fitness onde você treinava antes da pandemia?”

Foram ouvidas no período julho-agosto/2020 um total de 421 pessoas que se dispuseram de modo voluntário a preencher o formulário, construído a partir do aplicativo Google FormsTM, enviado sob a forma de link a 500 pessoas que integravam listas diversificadas de distribuição em aplicativos de relacionamento.

Em seguida, na análise dos dados coletados, as respostas foram agrupadas em dimensões, utilizando para isso os critérios de similaridade (expressões sinônimas) e exclusividade (não pertencerem a mais de uma dimensão). Dessa forma, as respostas foram agrupadas em 5 dimensões, descritas no quadro 1, expressando diferentes tipos de expectativas no retorno pós-pandemia dos consumidores de serviços fitness & wellness na cidade do Rio de Janeiro.

(1) Ambiência dos Treinos → aspectos ligados aos espaços físicos e estruturais do centro.
(2) Relações com Pessoas que Trabalham → aspectos ligados as relações interpessoais.
(3) Entrega Objetiva – Atividades Praticadas → aspectos ligados aos serviços consumidos.
(4) Relação Custo x Benefício → aspectos ligados a preços pagos, valor agregado e garantias.
(5) Novidades e Inovações → aspectos ligados a entrega de melhorias e/ou novos produtos.
Quadro 1: Dimensões de enquadramento das respostas dos consumidores. Fonte: a pesquisa.

1. Ambiência de Treinos

Nesta dimensão, a palavra-chave, com alta incidência nas respostas, foi “cuidado”, ou seja, em diferentes formas de expressar as pessoas declaram expectativa quanto à necessidade de sentirem-se “cuidadas” em termos de preservação da saúde, tanto pelas pessoas com quem lidam diretamente como também pela empresa e suas estruturas. Este cuidado representa a preocupação com a existência de um ambiente asséptico, higienizado e com recursos e materiais para utilização de todos, que propiciam o afastamento, ou minimização, do risco de contaminação.

Além disso, outro fator relevante destacado pelos respondentes foi a proteção, traduzida tanto pela disponibilidade, como também do uso de equipamentos de proteção individual (máscaras e luvas). Por último, em relação a ambiência dos centros de treinamento físico, e assinalado pela totalidade dos respondentes, foi o layout dos espaços destinados às práticas.

Esse aspecto, ligado diretamente às áreas de circulação e distanciamento seguro recomendados, responde pela garantia de que retomarão suas práticas de exercícios sem o risco de contato físico com outros que lá estivessem treinando.

2. Relações com Pessoas que Trabalham

Nessa dimensão, centrada eminentemente nas pessoas e suas interações, os sentimentos e expectativas declarados pelos consumidores, referem-se não apenas à interação clientes-prestadores de serviços, mas também àquelas estabelecidas entre clientes-clientes. Todas elas podem ser representadas pela expressão “acolhimento”.

Podemos dizer que esse acolhimento pode ser traduzido pelas expectativas dos clientes por encontrar nos profissionais: plena e sincera disponibilidade para atendê-los, gentileza e cortesia nesse atendimento, atenção plena para as reações deles diante de um novo contexto de práticas de exercícios, interação, já que o período de quarentena tornou-os isolados em suas casas, além de confiança nas relações e na possibilidade de conseguirem recuperar a normalidade e os ganhos que os exercícios proporcionaram, mas que sofreu interrupção.

3. Entrega Objetiva: Atividades Praticadas

Este conceito representa o momento-verdade da prestação dos serviços, ou seja, a relação direta na qual o profissional leva seu cliente ao experimento do serviço em si de forma concreta, objetiva.

Nesse contexto, os consumidores reportam que suas expectativas estão relacionadas primeiramente a uma experiência do tipo “uau”, excepcional, inovadora e capaz de superar aquilo que esperam, fato explicável pela demanda que um confinamento cria por experiências diferentes da rotina.

Além disso, os consumidores desses serviços relatam expectativa por encontrar adequação entre as atividades propostas, o momento vivido por eles e as condições em que se encontra, ou seja, estressado com toda essa situação. Além disso, reportam também a expectativa de situações motivacionais, no sentido de sentirem-se estimulados a superar as limitações impostas pelo afastamento da prática, o que, por conseguinte, cria o desejo de conquista de resultados progressivamente melhores.

4. Relação Custo x Benefício

Nessa dimensão, agruparam-se as escolhas dos respondentes ligadas a uma expectativa de revisão dos custos por parte das empresas, diante do cenário econômico ainda débil no país em consequência da pandemia, impactando assim em preços mais ajustados a essa realidade.

Além disso, esperam também que lhes sejam oferecidos planos mais alinhados às suas efetivas realidades de consumo em termos de variedades.

Finalmente, e como uma surpresa derivada do próprio contexto vivido por nós, foi registrada a expectativa de garantias de ressarcimento ou prevenção de perdas financeiras, no caso de ocorrer alguma outra interrupção da oferta de serviços pelas empresas das quais são clientes.

Por derradeiro, e considerando que estes resultados expressam um recorte da realidade, por sua característica amostral, e não da totalidade dos consumidores de serviços em fitness & wellness, sugerimos que sejam considerados, no mínimo, como base para reflexões sobre essa nova realidade da qual essas empresas passarão a fazer parte no âmbito dos negócios em fitness & wellness.

Com isso, propomos um repensar por parte de gestores e profissionais de tal modo que possamos rever e, se preciso for, ajustar nossas condutas, espaços e atitudes num momento em que consumidores e prestadores de serviços encontram-se construindo, elaborando um redesenho das relações de consumo, para além das questões técnicas que lhes são intrínsecas.

Em síntese, compreendemos que é preciso, mais do que nunca, que sejamos relevantes para esses clientes se desejamos, de fato, sermos percebidos como provedores da melhoria da qualidade de suas vidas.

Isso significa dizer que para ser relevante é preciso, muitas vezes, rever a própria razão de ser e propósito, pois vivemos nesse contexto de pós-pandemia um momento de grande aprendizagem, no qual a metáfora criada pela Ponte de Choluteca em Honduras, na América Central, suas finalidades iniciais e sua condição nos dias de hoje ilustra bem a atual situação.

Ela nos oferece como ensinamento a necessidade de mudar o paradigma tradicional sobre nossas empresas, que até hoje seguiam a premissa de precisarem ser  “feitas para durar” para, talvez, assumirem a condição de serem “feitas para adaptar-se”, ou, ao  invés de considerar estratégico a busca de  diferentes soluções para o mesmo problema, pensar que os problemas podem mudar e, por conseguinte, o modelo mental usado para resolvê-los pode não ser mais adequado para o novo cenário. Este é, em última análise, o desafio que a pandemia nos traz como oportunidade, paralelamente a todos os riscos inerentes a ela.

5. Novidades e Inovações

Nessa dimensão agruparam-se as respostas ligadas a expectativa de receber mudanças em conteúdo e forma nos serviços que já consumiam, como metodologias de aula diferentes, recursos materiais diversificados, uso alternado de máquinas e o próprio peso corporal, alternância de ritmos e ambientes de treinos, ou seja, algo que torne a entrega diferente da que já acontecia antes da pandemia.

Além disso, um ponto altamente relevante e derivado da “entrada forçada” da “tecnologia digital” no ambiente fitness & wellness, foi a expectativa de clientes por acréscimos nas formas de entrega dos serviços, com inúmeras declarações textuais de esperar que a academia/estúdio oferecesse planos com opções para treinar on line também ou ao invés de presencial, demonstrando assim que as aulas virtuais, única opção disponível na pandemia pela força das circunstâncias, ocupou uma lacuna de oportunidade nas estratégias de entrega de serviços e atraiu pessoas para seu consumo como possibilidade de cuidar de sua saúde.

Por derradeiro, e considerando que estes resultados expressam um recorte da realidade, por sua característica amostral, ainda assim sugerimos que sejam considerados, no mínimo, como base para reflexões e discussões dos gestores com suas equipes sobre essa nova realidade, que suas empresas passarão a incorporar a seus negócios, não por escolha, mas por necessidade, pois o consumidor, definitivamente, mudou.

Com isso, propomos tanto aos gestores como aos profissionais que revejam e, se preciso for, ajustem suas condutas, espaços e atitudes num momento em que, consumidores e prestadores de serviços encontram-se construindo, elaborando, redesenhando suas relações de consumo, para além das questões técnicas.

Em síntese, compreendemos que, mais do que nunca, é preciso nos tornar “relevantes”, “imprescindíveis” para esses clientes, se desejamos, de fato, ser percebidos como provedores da melhoria da qualidade de suas vidas.

Isso significa dizer que, para ser relevante, é preciso, muitas vezes, rever a própria razão de ser e propósito, pois vivemos nesse contexto de pós-pandemia um momento de grande aprendizagem, no qual a metáfora criada pela Ponte de Choluteca em Honduras, na América Central, suas finalidades iniciais e sua condição nos dias de hoje nos oferecem, como ensinamento, a necessidade de mudar o paradigma tradicional sobre nossas empresas, que até hoje seguiam a premissa de precisarem ser “feitas para durar” para, talvez, assumirem a condição de serem “feitas para adaptar-se”, ou, ao invés de considerar estratégico a busca de diferentes soluções para o mesmo problema, pensar que os problemas podem mudar e, por conseguinte, o modelo mental usado para resolvê-los pode não ser mais adequado para o novo cenário.

Este é, em última análise, o desafio que a pandemia nos traz como oportunidade, paralelamente a todos os riscos que lhes são inerentes.

Referências:

DUFRENE, Uric; WONG, Alan. Stakeholders versus Stockholders and Financial Ethics: ethics to whom? Managerial Finance. Patrington, v.22, n.4, p.1-11, 1996.

FREEMAN, R. Edward. Strategic management: a stakeholder approach. Boston: Pitman, 1984.

FRIEDMAN, Milton. Capitalism and freedom. 2nd. ed. Chicago: University of Chicago Press, 1962

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