Publicado em

Inclusão é para todos: isso vale para as empresas do bem-estar?

A cada dia que passa, é mais evidente e, portanto, inquestionável, que o mercado de serviços ligados ao bem estar, uma expansão adequada e oportuna do fitness & wellness, e no qual a Educação Física é o carro chefe (ou pelo menos deveria ser!) está se modificando em conteúdo e forma, talvez como nunca aconteceu desde a sua regulamentação enquanto uma profissão da saúde.

Obviamente, não estamos nos referindo aqui às modernizações de equipamentos e metodologias, aparelhos ou mesmo de modelos de negócios. A mudança é mais profunda e não apenas incremental, porque envolve um tipo de público que real e efetivamente precisa dos nossos serviços e, surpreendentemente, continua sendo ignorado por boa parte dos profissionais e empresas do setor, levando inclusive ao surgimento de um segmento em separado, o que de certa forma segrega, e não inclui, como preconiza a proposta da inclusão.

O Brasil tem número bastante superior de academias e centros de treinamento físico do que muitos países desenvolvidos (IHRSA, 2023), em que pese o número de pessoas praticando exercícios físicos orientados regularmente ainda seja substancialmente baixo, buscando chegar a apenas dois dígitos, em se tratando de percentuais da população. Uma das razões, mas não a única, é o fato de que nosso segmento, em linhas gerais, mas com altíssimos índices de predominância, atende aos mesmos de sempre: jovens/adultos saudáveis, sem restrições, limitações ou mesmo sem a presença de desordens na saúde. Enquanto isso,  grande e crescente parcela da população, incluindo crianças, jovens, adultos e idosos (coronariopatas, pneumopatas, hipertensos, diabéticos, pessoas com deficiências sensoriais, físico-motoras, intelectuais ou com transtornos do neurodesenvolvimento), “docilmente” chamados de “clientelas especiais”, continuam à margem, como se não fizessem parte do mercado de consumo dos serviços em saúde e bem estar. Só que fazem, e fazem muito, e aliás, estão inseridas no grupo de pessoas com as quais o juramento da Educação Física se compromete a atender e melhorar a vida, ou seja, todos.

Mas DO QUE estamos falando, afinal?

Como forma de categorizar esta visão crítica, sob o ponto de vista dos beneficiários dos serviços em saúde e bem estar,  propomos aqui uma divisão do mercado consumidor destes serviços em três segmentos.

Primeiramente temos os SUPERATENDIDOS, que são aquelas pessoas cujo acesso é ilimitado aos bens e serviços oferecidos no mercado de consumo, não apresentam limitações que as impeçam de consumir qualquer um deles e, portanto, seu consumo é baseado exclusivamente nas suas escolhas pessoais.

Em seguida, temos os ATENDIDOS, que são aquelas pessoas com um nível de acesso um pouco mais restrito, seja por conta de fatores financeiros, de reduzida disponibilidade e conveniência em função de tempo, localização ou mesmo restrição nas opções que lhes são oferecidas. Em síntese, este grupo já apresenta limitações de escolha, embora seja muito numeroso, o que talvez justifique o aumento da procura pelo modelo HVLP – High Volume Low Price e seu crescimento tão expressivo nos diferentes pontos do país.

Por último, temos os SUBATENDIDOS, que por incrível que pareça, são a maioria da população. São estas pessoas que têm limitações bem mais relevantes, como alguma condição especial de saúde, mas que continuam invisíveis para grande parte dos profissionais/empresas do segmento do bem-estar. Grande parte das academias, estúdios e centros de fitness & wellness não está preparado para atendê-los e nem tem em sua carteira de serviços algo que se adapte às suas condições/restrições, o que impede que sejam considerados, de fato, inclusivas no que tange ao atendimento destas pessoas, ainda que até determinações legais existam no sentido de exigir esta disponibilidade, como técnica e brilhantemente citou Doin (2025) em seu artigo nesta revista, edição 150. E aqui é relevante abordar um ponto que consideramos muito importante, e que é uma fala de várias de minhas estimadas empresas-clientes. Diferentemente de modalidades esportivas ou de algum tipo de treino especializado, não é uma questão de “não ser o foco do negócio atender pessoas assim”, como já tive a oportunidade de ouvir de gestores de empresas bem posicionadas no mercado. Serviços em saúde devem, por definição, atender/servir pessoas, independente de sua condição, posto que são de utilidade pública. Resumidamente podemos representar assim esta segmentação:

Figura 1. Segmentação dos consumidores de serviços em saúde e bem-estar.
Fonte: Estimativas com base em IBGE (2021; 2024), FARIAS (2025)

Segundo o IBGE (2021), cerca de 24% da população brasileira apresenta algum tipo de deficiência, acrescentando ainda os milhões de pessoas com doenças crônicas e o público acima de 60 anos, projetado para compor algo em torno de 25% da população em 2050 e que, portanto, só cresce. De 2000 a 2023, como pode ser observado na figura 2 a seguir, a proporção da população brasileira 60+ quase duplicou, subindo de 8,7% para 15,6%. Em 2070, projeta-se para 37,8% dos habitantes do país serem idosos (IBGE, 2024) e, por conseguinte, um relevante consumidor de serviços com o firme propósito de manter/melhorar a saúde e o bem estar.

Figura 2. Participação da população 60+ no Brasil
Fonte: Estimativas com base em IBGE (2021; 2024).

Um mercado de necessidades/oportunidades reais

Diferentemente dos segmentos que desejam apenas “emagrecer para o verão” ou “ficar enorme”, este segmento da sociedade, majoritário repito, quer tão somente viver melhor, ganhar/preservar sua autonomia funcional, sua saúde e seu bem-estar. E a partir da pandemia ficou claro para a sociedade em geral que para alcançar estes resultados, de longo prazo e que demandam persistência e consistência, precisam de profissionais capacitados, acolhedores e, principalmente, que estejam dispostos a ouvir e entender para atender suas reais necessidades, interesses e desejos, como abordado no artigo anterior, na edição 150 (FARIAS, 2025).

A prescrição de exercícios para essa clientela portanto, não é de modo algum o produto de uma padronização, muito pelo contrário, precisa ser personalizada e focada simultaneamente em identificação (com a pessoa do cliente e suas peculiaridades) e resultados (as demandas deste cliente em saúde e bem estar). A isso chamamos há algum tempo de qualificação da experiência do cliente, e que aqui, mais do que nunca, deve ser o pano de fundo das entregas feitas a ele, pois afinal, em ultima análise, é quem mais precisa de melhorias na saúde e qualidade da vida.

E exatamente aqui reside talvez a  grande possibilidade de uma “virada de chave” nos negócios ligados ao bem-estar, meu caro gestor. Porque este segmento da sociedade está crescendo e, com ele, a consciência da importância de investir na melhoria de sua vida, seja a própria pessoa ou sua família. Ou seja, para além da função social de nossa profissão e nossos negócios, é também um mercado economicamente relevante, crescente e praticamente inexplorado, o que significa dizer que, não por acaso, estúdios especializados e centros de treinamento focados nesse tipo de atendimento já surgem em um crescimento visível, declarando dificuldades para atender as demandas e, não raros, são aqueles que são levados a abrir mais unidades como forma de atender a demandas locais. Mas em todos, absolutamente todos estes casos, tal qual abordamos no artigo anterior, na edição 150, sobre apagão de talentos (FARIAS, 2025), o que vem freando este crescimento é justamente a falta de profissionais preparados para atender a este público. Com isso, os poucos  profissionais que estão preparados para atender a estas demandas encontram não só realização com seu trabalho, mas também reconhecimento profissional e ganhos financeiros diferenciados.

Em síntese, podemos afirmar sem medo de equívoco, pois a assertiva é legitimada por uma realidade que já acontece de modo crescente, as empresas do nosso segmento e seus profissionais que decidirem incluir os SUBATENDIDOS na sua carteira de clientes precisam saber que, mais do que dominar conhecimentos relacionados à biomecânica e fisiologia do exercício, é preciso conhecer com nível de profundidade consistente os fundamentos do comportamento humano, da empatia no relacionamento com eles e suas famílias, praticar a escuta ativa, ter e gerar motivação, além de ser capaz de gerir relacionamentos com estes clientes com foco na excelência e individualização dos resultados  (SERRA et al., 2022).

Referências

DOIN, J. Autismo e acessibilidade: os deveres legais das academias. Revista Empresário Fitness & Health. v. I, n. 150, julho/2025. Disponível em https://revistaempresariofitness.com.br/juridico/autismo-e-acessibilidade-os-deveres-legais-das-academias/. Acesso em 08/7/2025.

FARIAS, E. O que fazer para sobreviver ao apagão de talentos no mercado fitness. v. I, n. 150, julho/2025. Disponível em https://revistaempresariofitness.com.br/gestao-com-ciencia/o-que-fazer-para-sobreviver-ao-apagao-de-talentos-no-mercado-fitness/ . acesso em 08/7/2025.

INTERNATIONAL HEALTH, RACQUET & SPORTSCLUB ASSOCIATION (IHRSA). Global Report 2023. Boston, MA: IHRSA, 2023.

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde 2021. RJ: IBGE, 2021.

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Projeção do IBGE mostra que população do país vai parar de crescer em 2041. Disponível em Link: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/41056-populacao-do-pais-vai-parar-de-crescer-em-2041. Acesso em 08/julho/2025.

SERRA, A. C. C.; ZEMKE, R.; ALBRECHT, K. Serviço ao cliente: a reinvenção da gestão do atendimento. 5ª ed. Rio de Janeiro: Campus, 2002.